Ilustração : Diego Xavier
Esses
últimos tempos, andei me perguntando se minha solidão afetiva provinha da
inconstância dos homens com os quais mantive algum contato, e por que esse
fator me afetava, ainda que eu sequer os conhecesse pessoalmente. Não podia
negar que de certa forma, essas relações me causavam dependência psicológica,
sobretudo porque se desfaziam com a mesma rapidez com que foram criadas e eu me
sentia impotente diante do efeito dessas rupturas sobre mim. Não sabia
responder por que num dia havia uma interação prazerosa e no outro, esse
“vínculo” desaparecia, assim como a projeção que havia feito daquela suposta
interação. Me indagava sobre em qual parte da história as coisas começaram a
não dar certo e por que isso ocorria.
Inicialmente,
atribuí tal dependência a uma “fraqueza” que talvez fosse só minha, e com a
qual eu teria que aprender a lidar. Mas, percebi que não, notei que várias
amigas (senão todas), sentem a mesma insegurança nos seus relacionamentos, como
se fossem impotentes para ditar as rédeas de suas vontades. A maioria teve
relações conjugais conturbadas ou está sozinha pois se sente fragilizada toda
vez que tenta criar vínculos com alguém. Quase todas possuem consciência
crítica sobre a necessidade que temos de buscar a plenitude numa sociedade
marcada por práticas machistas, são independentes, com ideias próprias,
interessantíssimas e com as quais, eu (se fosse eles) tranquilamente manteria
vínculos conjugais quaisquer que fossem. Então, por que, mesmo com esses
atributos, continuamos tendo a sensação que estamos à mercê das vontades dos
homens? Seria uma fraqueza nossa?
Essa constatação me afetou, pois, apesar de
ter opiniões muito claras sobre como quero conduzir minha humanidade, descobri
que a caminhada em busca da emancipação da mulher enquanto ser encontra
entraves reais que nos levam a graves dependências emocionais. Tais
dependências não são fruto de uma fraqueza, ou incapacidade, percebi que
estamos envolvidas numa engrenagem muito mais complexa do que noções
introspectivas sobre esse ou aquele relacionamento que não deu certo.
De
repente, me veio à memória aquela letra do Cazuza “saía, dessa vida de
migalhas, desses homens que te tratam como um vento que passou..” Por que,
sempre que nos envolvemos temos a impressão que estamos de coração aberto
(mesmo que lutemos contra isso) e os homens não? Quando contrariadas, tentamos
nos impor, recuperar o orgulho e tocar o “foda-se” e funciona... por um tempo.
Achamos que seremos maduras o bastante para não nos iludir por tão pouco até
que.. aparece alguém que desestabiliza nossas emoções e voltamos ao ponto
inicial do conflito.
Notei
que estamos sempre na linha tênue e penosa entre reafirmar nossa sexualidade
(sim, gostamos de sexo, falamos sobre sexo) ao mesmo tempo que não queremos ser
tratadas como um objeto sexual, pois nossa intelectualidade também entra nesse
jogo de poder. Mas como querer mais e não encontrar espaço para desenvolver
essa busca de humanidade dentro da sociedade?
Até que entendi que grande parte da nossa dependência
emocional é reflexo do patriarcado, que no ensina a querer as “migalhas” que
nos são oferecidas, nos tornando mulheres inseguras e competitivas entre nós
mesmas.
Somos
treinadas para ter uma vida que não escolhemos conscientemente, sempre
preocupadas em conquistar nosso
“macho”, para casar, procriar, nos amontoando umas por cima das outras,
disputando entre nós.
O sistema nos traz insegurança de saber que há
outras “fêmeas” querendo procriar e ter uma família monogâmica para se estabilizar
e que precisamos correr contra o tempo, pois temos “prazo de validade” no
mercado. Essa eterna prisão não nos faz
dialogar de maneira plena com o que nos rodeia. Ele nos diz: “ela vai esperar,
ela está ao seu dispor, você é a razão dessa engrenagem.”
Assim, nos damos conta que estamos disputando o
“macho alfa” para que ele não escape de nós, o que vai ocorrer porque é dado ao
homem esse direito de passear livremente como se estivesse num açougue,
escolhendo a bel prazer quantas “carnes” quiser (os que possuem melhores
atributos se dão melhor). Ao homem é dado o direito de ir e vir quando quiser e
no fim, lhe é permitido e incentivado o direito de “possuir” uma esposa para
cuidar da casa e dos filhos e, eventualmente, dispor de alguma aventura sexual
fora do casamento. Mais uma vez, nos vemos à mercê desses arranjos machistas de
relacionamentos.
Nesse jogo de poder, a cada mulher é destinado
um papel diretamente ligado ao seu comportamento sexual ou à forma como encara
sua humanidade. Já perceberam o tanto de estigma que nos rodeia, nos
"marcando" como se fôssemos carne de segunda? Que não prestasse para
uma relação duradoura?
Eu pensava que isso seria diferente em mulheres
que atendessem aos padrões de beleza da sociedade, que elas nunca sofreriam com
a solidão. Percebi que estava errada. Elas sofrem mais ainda porque sua beleza
leva a serem mais objetificadas, como se a mulher não pudesse ser bonita e
inteligente ao mesmo tempo.
A
sociedade majoritariamente conservadora não consegue conviver com a
independência do sexo feminino...esse eco cerceia e cala de toda forma as
mulheres que tomam as rédeas de sua vida tentando se libertar desse destino, e
libertar a todas as outras.
Daí vem parte da nossa solidão e insegurança,
que é potencializada e muito diferente da masculina. A solidão como reflexo dos
estigmas, e de papéis que, ao tentarmos subverter, nos leva muitas vezes a mais
solidão ainda. Lembro-me bem do amargo dos depoimentos de prostitutas quando
conversamos sobre seus relacionamentos. Prostitutas são o ápice do imaginário
bem real entre supostas “santas” e “putas”.
Com tudo isso, percebi que, o conhecimento
sobre essa engrenagem liberta e nos faz conviver dialeticamente com ela, pois
ao mesmo tempo que vamos contra a corrente fazemos parte dela. Me encontro
nessa fase, tentando me libertar, mas ao mesmo tempo sentindo o peso dessa carência
provocada pelo patriarcado sobre minhas costas.
Não sabemos para onde ir quando percebemos que
no fundo estamos à mercê das vontades dos homens. Como não sentir o peso dessa
constatação? Como não sofrer com isso? Como não ser afetada por essa
fragilidade construída por um sistema que nos secundariza em tudo?
Precisamos desconstruir o que é naturalizado,
buscar mentes progressistas para que sejamos cúmplices nessa empreitada. Não
aceitar o que nos é imposto e aceitar que a solidão é um processo de
autoconhecimento, mas que ela deve vir acompanhada de um processo pedagógico
que nos leve a mostrar para mais mulheres as origens dessa engrenagem
sufocante. O conhecimento sobre a origem da nossa opressão nos empodera e nos
liberta. Eu, por exemplo, me sinto menos solitária após compartilhar essas
reflexões.
Isabela Aysha 2/2/16 às 19:50