Aysha Santiago , 26 de novembro de 2017.
Aqueles olhos dela me tragavam.Éramos só eu e aquelas íris profundas convidando para uma viagem sem volta.
Lembro ainda do seu cheiro, da sua voz convidativa capaz de me convencer a pular de um abismo em direção ao mar só pelo prazer da sua companhia, mas nada me marcou mais que seu olhar.
As curvas nada lineares que ela exibia como bandeira de salvação do meu suplício eu volta e meia ainda posso sentir, mas aqueles olhos dissimulados....aqueles olhos...
Não posso dizer que fomos apaixonados, depois de uma certa idade o coração tem prazo de validade, bate com mais cautela por medo de despertar velhos fantasmas.
Ela nunca me comentou sobre o passado mesmo quando eu lhe revelava algo sobre o meu, ao que ela ouvia com atenção mas logo achava um jeito de soltar o cabelo e me segurar pela mão me levando de volta ao seu mundo com uma gargalhada que ainda posso ouvir.Parecia que queria me livrar das recordações que me traziam tristeza.Então me entregava ao seu universo e poucas coisas nos últimos tempos me distraíam tanto.
Creio que pelo simples fato de não saber se a veria de novo e também pela leveza que era revê-la, aquilo se transformou em um hábito.
Ela nunca me cobrava presença, ou fidelidade ou todas essas baboseiras doentias.Eu simplesmente a encontrava quando podia e ela estava lá sempre plena com aquele sorriso estonteante e aqueles olhos...
Nossas conversas variavam de temas sobre a situação caótica do país, o preço do café( pois era uma paixão que tínhamos em comum) e depois, com aquele olhar sapeca me convidava para um pecado que me livrava da morte diária.
Eu não sei de onde ela tirava tanta imaginação, nunca perguntei como uma moça tão cheia de assunto sabia transitar de uma conversa séria a revelações provocantes. Era irresistível.
Fiquei um tempo sem vê-la, pois estava sem dinheiro até para pagar uma cerveja e mesmo que ela pudesse bancar a conta do bar, eu me sentia atingido na minha dignidade de macho.
Um dia fui surpreendido por sua ligação, me chamando pra vê-la, estava com saudades e com tesão.Tinha tido um dia cansativo revisando uns textos e o convite me pareceu perfeito. Fui e, talvez pelas semanas sem encontrá-la, ela me pareceu mais linda: um vestido vermelho que combinava com a cor do seu batom e da sua aura. Me recebeu com um abraço caloroso e uma gargalhada: “ pensei que ia sumir de mim, porra, até fiquei com saudades.” Disse com aquela leveza peculiar, me senti importante e feliz pela presença dela.
Ela começou contando como foi o dia, que não via a hora de protocolar as últimas petições e que procurava companhia para viajar no feriado...olhou pra mim e disse: “vamos?” Eu sem graça respondi que estava com umas revisões para entregar que infelizmente não poderia ir.
Ela visivelmente desapontada ainda insistiu um pouco com aquele seu jeito brincalhão, mas eu, por pura idiotice machista de não suportar a ideia dela bancar a viagem, disse que não poderia ir.
Mudamos de assunto passamos a programar uma ida ao teatro que eu fazia questão de convidá-la, fomos para casa, ela comprou umas bebidas, nos beijamos em meio a risadas,eu até havia me esquecido do tanto que me agradava sua boca misturada com o gosto doce da bebida.
Nesse dia passei mais tempo hipnotizado por aqueles olhos e beijando-a como que para compensar os dias sem vê-la. Não tive medo, nem receio, coisa que há muito tempo não sentia.
Pela primeira vez ela me pediu pra ficar até o outro dia, mas eu disse que tinha que ir, aquilo de não ter dinheiro me deixou baqueado.
Fui para casa resolvido a não mais encontrá-la até ter me estabilizado e assim o fiz. Desapareci. Ela também não me procurou mais, soube que foi fazer mestrado no Uruguai. Eu continuo a fazer freela, ora tenho dinheiro ora não. Às vezes me dá uma vontade louca de procurá-la mas minha virilidade não deixa... Até que hoje,acordei assustado, sonhei com aqueles olhos me tragando....
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