domingo, 28 de fevereiro de 2010

22

22

Tenho 22 , e isso me pesa.Essa cidade borbulha de porra nenhuma e eu tenho 22.Nunca tive um grande amor, não comprei um carro, não passei num concurso, não tenho silicone e tenho 22.Caramba,que mundo pífio.Pior do que ser pífio é se olhar no espelho e já ver umas ruguinhas nos cantos dos olhos, e eu nessa porra de mundo pífio.
Tudo que eu vivi com intensidade eu mesma que inventei.Sabe, tenho medo de que esse mundo pífio não saiba forjar minhas invenções como eu as esbocei.
Preciso de formas diferentes para dizer coisas diferentes.Bem, não chegam a ser coisas, penso , pois elas tumultuam, embolam por aqui por dentro e não conseguem sair, eu não dou conta delas.Ficam agoniando, cutucando e não se libertam.E eu também não acho mais graça em quase nada, para mim tudo que é dito poderia ser dito de outra maneira e as músicas poderiam ser tocadas de outro jeito, e as letras das músicas são sempre as mesmas mesmices e até eu poderia ser outra.
Percebi que fugir do clichê é um ato quase impossível, a gente sempre acaba se enrolando e achando tudo que escreve e que faz uma merda mesmo, não tem pra onde correr.Há sim, raros momentos de inspiração que logo se tornam estéreis por falta de uma continuação.Eu não posso dizer que sou triste, apesar dos momentos de angústia profunda que vêm do mesmo lugar aonde estão instaladas as não-coisas que não se libertam de mim, desconfio que sou feliz com todas as minhas pequenas farsas do dia, dos meses, dos anos.
Preciso de estímulos para captar um novo olhar que ainda não soube tomar forma e que fica por dentro sem ter como sair.
Preciso do esgoto e da sarjeta porque carinhas brancas e limpinhas não me convencem mais, na verdade elas me enfadonham.
É, preciso das putas do Chico, do Cortiço e das putas que vivem em mim junto com os malandros e com toda aquela gente escarlate pulsando sangue e samba, vida, volúpia,povo hemorrágico e voluptuoso de língua ferina.
Preciso de mentes perspicazes e ácidas dessas que dizem coisas inquietantes que me tragam a lucidez e aquela queimação no coração ou sei lá aonde mas que me incitam a escrever e a questionar.
Preciso das minhas gargalhadas histéricas que os grandes sabem despertar, e os grandes, onde estão nessa cidade que se escondem? Preciso saber e que estejam desacompanhados porque tô carente de uma orgia intelectual daquelas.Coisa de amante sabe.
Fico pensando, se tivesse nascido no Rio na época do Vinícius e de sua trupe queria me tornar a broder deles e ficar filosofando no buteco na frente da praia com o sambinha rolando. Me casaria com algum ? Jamais.Acho que há seres que nasceram para isso, para dizer o que os outros não dizem e para viver o que os outros não vivem.Durante muito tempo, pensei que houvesse um amor que pudesse ser gradeado por coraçõezinhos vermelhos e busquei por ele.Fracasso.Mas acho que pode haver amores ancestrais que cravam suas raízes na gente , isso eu respeito e se um dia eu achar, vai ser uma experiência ancestral também.
Material humano inebriante faz uma falta fudida mesmo, quanta gente xoxa que tem nesse mundo, pelo menos pra mim que posso, claro, ser xoxa pra um outro bucado de gente.Mas , será que é pedir muito um pouco de sensibilidade ácida e brilho nos olhos?
Inquietação rima com construção, aí, um belo casal aí.E que tal um tradutor poliglota das linguagens das almas inscritas há milênios e que nem os escafandristas do Chico acharão?
Preciso de experiência, muita experiência sempre me sinto ingênua e boboca. Até a palavra boboca é de gente ingênua.
Preciso do Chico pra mim! ah não, ele era da trupe do Vinícius lembrei,precisava ser a musa , amante, esposa, mãe e amiga do Chico ao mesmo tempo de uma só vez, por um instante e sentindo o fulgor de todas essas posições ao mesmo tempo pra saber alguma coisa a mais.Melhor, precisava ser o próprio Chico e todos os grandes que eu ainda não conheço e portanto não admiro e os que eu conheço também. No fundo seria um bom começo ser a musa de todos eles.
Ah, esse negócio de internalizar e procurar chaves e saídas para as não-coisas que vem por dentro não é rentável na maioria dos casos. Tô aqui com um puta pepino dentro de mim e sem saber a solução. Receio que saber a solução estragaria tudo, do mesmo jeito que o poeta não pode consumar sua musa porque parece que perde a graça. Será que um dia não vai perder? Prefiro ficar sem saber, só com o formigamento bem debaixo do queixo que me assola. Esse é o preço da lucidez que me acomete em certos momentos.Eu pago.
Será que um dia também vou saber a sensação de fazer todo dia um sexo ancestral com um amor ancestral decifrador poliglota das linguagens das almas que nem os escafandristas do Chico acharão ?
Isso devia ser o que chamam casamento.


Talvez precise mesmo de um psicólogo, mas será que existem psicólogos poetas?


1/03/010 às 04:23 a.m.

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