quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"você é a cachorra mais burra desse calçadão"

Clandestinos, genuínos,espontâneos.
Fantásticos!
Para mim o melhor casal da TV brasileira.
Wagner Moura soube emprestar à Olavo o tom irônico, de um humor sensível, ácido e tremendamente sedutor, que se revelava quando ele estava com Bebel e que fazia o telespectador esquecer da natureza calculista de seu personagem, o vilão da trama.
Bebel,uma prostituta do calçadão do Rio de Janeiro, explorada pelo seu cafetão Jader(interpretado por Chico Díaz) vê em Olavo uma oportunidade de ganhar "situação" e "catiguria"
No desenrolar de encontros furtivos, temperados pelas habilidades sexuais de Bebel, que "caprichou no trato" a Olavo ,os dois se ligaram pela química incontestável dos corpos, o que fazia o "mauricinho" não conseguir se livrar da "cachorra" do calçadão.
Bebel, dotada de uma sensualidade nata, espontânea, engraçada e mostrando-se por vezes indefesa e solitária,aliada à vontade de ter um cantinho seu, de virar "fixa" de um cliente que a trata-se bem, se apaixona desvairadamente por Olavo.
Nessa relação distorcida e mascarada, pois Olavo era noivo de uma "patricinha" insuportável, não faltaram tapas, xingamentos, sexo ardente, escândalos,destemperos de Bebel e ciúmes bem comportados de Olavo, condizentes com sua condição de empresário em ascensão.
Bebel,nua e crua, ela ama aquele "mané" e por isso não o denuncia, e Olavo, que descobre na dita "escória da sociedade" alguém com quem ele pode se revelar e se sentir livre das amarras das quais ele quer ser um dos donos.
Uma relação nada convencional e condenada, mas recheada de muito mais sincronia e "axé" do que a maioria das pseudorrelações da vida real e da telinha também.

Palmas para Camila e Wagner, por que só eles conseguiriam esse fino toque e para Gilberto Braga também.

Desde então, nós telespectadores, humildemente esperamos em nossos sofás, pela chegada de algum casal que nos faça vibrar de novo.
Chega desse bando de casal malfeito, nessas traminhas meia-boca, que não passam a menor emoção.

Fala sério.!

Aysha San.
11/11/2010
18:02

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

PQP MEU CHILLI FÚCSIA

Mutante


Rita Lee


Juro que não vai doer
Se um dia eu roubar
O seu anel de brilhantes
Afinal de contas dei meu coração
E você pôs na estante
Como um troféu
No meio da buginganga
Você me deixou de tanga
Ai de mim que sou romântica
Kiss me baby, kiss-me
Pena que você não me "Kiss"
Não me suicidei por um triz
Ai de mim que sou assim...
Ai de mim que sou assim...

Quando eu me sinto um pouco rejeitada
Me dá um nó na garganta
Choro até secar a alma de toda mágoa
Depois eu parto pra outra
Como mutante
No fundo sempre sozinho
Seguindo o meu caminho
Ai de mim que sou romântica
Kiss me baby, kiss-me






há alguma sanidade em cultivar quem te faz mal?
Paro por aqui.
De concreto só meu chilli fúcsia.
Na verdade ele foi o culpado de todo o desenrolar da história.
Moral: se sentir que aquilo vai dar merda, faz o favor de não deixar vestígio com o bafo, porque, a merda irá triplicar com umas doses de xis, colega.E depois de todo o circo você ainda terá que ver o bafo mais uma vez, fazendo a egípcia com toda a classe. A é? jura gaton?
Meu make azul metálico pra saber o que falei.
PQP CADÊ MEU CHILLI FÚCSIA? 


MEDO.


4/10/10 às 04:03

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

QUASE 23



  O que é bonito,

É o que persegue o infinito mas eu não sou, não
eu não sou não...
Eu gosto é do inacabado, o imperfeito, o estragado que dançou,
o que dançou...

Eu quero mais erosão menos granito
Namorar o zero e o não e escrever tudo o que desprezo e desprezar tudo que acredito
Eu não quero a gravação, eu quero o grito

É que a gente vai e a gente vai e fica a obra, mas eu persigo o que falta
não o que sobra...
Eu quero tudo que dá e passa, quero tudo que se despe, se despede e despedaça
Eu quero tudo que dá e passa, quero tudo que se despe, se despede e despedaça....

O que é bonito....


Lenine.



_______________________________
quase 23.
Há uns meses sem escrever,sendo obrigada a virar gente grande, tudo aos 23.
Com saudade sei lá de que,
Sem saudade sei lá de que,
Despedaçada a superfície,acho que o que tô sentindo é a carne nua exposta, esperando que moscas farejem a minha podridão.
Aos 23, a vontade de esgoto aumenta muito,
Começo a delinear a tendência ao revés, como um sinal característico da minha identidade.
O não urrando do útero pro coração, do coração pra garganta, e o que faz ele ser mais não ainda é que o grito continuará na morbidez, jazido embora mais vivo que qualquer sim que eu já tenha experimentado e que muitos de vocês também...
Tudo isso aos 23...
Sou mais incompleta do que quando menos sábia,e sempre o que atiça é o que rasga sem pudor e sem sentido, quase não há humanidade nisso...
A falta da palavra inspira a palavra e dá medo
muito medo....

quase aos 23.


14/09/10 às 00:07


domingo, 15 de agosto de 2010

SAL E IDADE

PENÉLOPE


te recordo, Penélope
teu grito de “venha”
costurado a sangue
descosido a relho
em noites de indene
solitude, saudade
sal e idade queimando a pele
vida frustrada, Penélope
meu poema como uma colcha
feita de teus retalhos
feito teu tapete amado intocável
ilusões de ótica tecidas
na trama da paciência
(em tantos anos era possível escrever a bíblia)
tenho-te ódio, Penélope
por teu trabalho doído
por teu amor moído
em que tinhas certeza
e a certeza é a irmã da morte
melhor seriam drogas
melhor seria rolar-se de amor
melhor seria bacanizar a existência
eis o tempo dos assassinos
ah, Penélope, coisa sem graça
amar traidor
herói feito de água e vento
vinho, musas e ouro
homérico antibiótico
como dói, pasmacenta costureira,
saber que o amor não existe,
que não adiantaram tuas tramas
não, não celebro teu cérebro
teus trapos de humilhação
amarração de uma história
que sempre coadjuvarás
assim como eu
tricotando letras
com a negra vermelhidão
dos fios de meu rancor diuturno
feito de veneno e ruínas

Alexandre Pilati

sal e idade queimando a pele.
o preço é pago todo dia.
15/08 às 17:05




quarta-feira, 11 de agosto de 2010

AU REVOIR P.A.SEM TARAS OBSCURAS

QUERIDO DIÁRIO (TÓPICOS PARA UMA SEMANA UTÓPICA)
por : Cazuza
Segunda-feira:
Criar a partir do feio
Enfeitar o feio
Até o feio seduzir o belo
Terça-feira:
Evitar mentiras meigas
Enfrentar taras obscuras
Amar de pau duro
Quarta-feira:
Magia acima de tudo
Drogas barbitúricos
I Ching
Seitas macabras
O irracional como aceitação do universo
Quinta-feira:
Olhar o mundo
Com a coragem do cego
Ler da tua boca as palavras
Com a atenção do surdo
Falar com os olhos e as mãos
Como fazem os mudos
Sexta-feira:
Assunto de família:
Melhor fazer as malas
E procurar uma nova
(Só as mães são felizes)
Sábado:
Não adianta desperdiçar sofrimento
Por quem não merece
É como escrever poemas no papel higiênico
E limpar o cu
Com os sentimentos mais nobres
Domingo:
Não pisar em falso
Nem nos formigueiros de domingo
Amar ensina a não ser só
Só fogos de São João no céu sem lua
Mas reparar e não pisar em falso
Nem nas moitas do metrô nos muros
E esquinas sacanas comendo a rua
Porque amar ensina a ser só
Lamente longe por favor
Chore sem fazer barulho.
______________________________________
Domingo de Madrugada:
O Recado é claro e está dado.
Ou saiba dosar as mãos e a boca usando a língua somente para ele ficar de pau duro, ou adquira um modelo de  P.A. mais versátil.
Ejacule-o e siga em frente.Sem taras obscuras.


Aysha San. 11/08/10 às 04:22 a.m.


Como desconfiava, ainda não passei dessa fase.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

"EU TENHO TESÃO É NO MAR"

Amadurecer é um troço difícil demais.Eu não sei parece que a gente vai perdendo a espontaneidade por achá-la ridícula, e por achar seus impulsos também ridículos, vamos guardando, amontoando tudo na sala dos bons costumes e do comportamento respeitável.Se você sonha, vem alguém e diz que ser idealista é um negócio fora de moda e que você vai se fuder com isso.Se você por outro lado fica pessimista, a vida  se torna  difícil porque acreditar em alguma coisa é importante, alimenta.Tem dias que me sinto uma puta mulher decidida, dessas que deixam pistas sutis ao longo do roteiro dos dias.Nesses dias, os encadeamentos correm solto, as metáforas são provocantes,o papel parece apetitoso e a escrita acompanha o movimento malemolente do corpo.TESÃO transbordando por todos os poros, é isso que sinto.Em outros, a cegueira é branca e vazia,e a mente repousa um sono enlouquecedor.Não há grito.Parece que eu só toco a superfície do mundo e a água é turva. E eu não vim ao mundo colar palavra atrás de palavra num arranjo sintaticamente correto..Isso não.Eu quero ver meu rosto desfigurado nos cacos do espelho, eu quero desfilar nua e quente pelos becos clandestinos,triturando,corroendo, perturbando, latejando em cada passo.Não me proteja, pode me rasgar com tudo que você tem pra cortar alguém,seja voraz porque eu vou te sugar até a última gota da lucidez, a palavra me ensinou a ter tesão intelectual.culpa sua, agora aguenta.E por falar em tesão, "eu tenho tesão é no mar"....

17/06/10 às 02:55 a.m.






sexta-feira, 28 de maio de 2010

DEGREDO

Fareja meu cheiro à procura do teu desde o início da idade da razão.

Me aperta com fúria porque eu quero ouvir o retumbo do seu coração.

Me lambe gotejando sua  saliva fértil em meus poros. 

Me chupa com força porque eu quero a marca dos nossos dias desenhando roteiros sobre minha pele. 

Me morde mastigando essa carne que jazia adormecida o sono secular dos retratos mal limpos, das conversas cuspidas, dos fast food sentimentais, das alegrias pudicas.

Me fode com o líquido que penetra o ventre me recriando mulher repetidas vezes.

Rasga assim minha consciência, me lanhando à gilete porque eu quero meu sangue escorrendo aos poucos, quero sentir a transfusão das gotas caindo do meu corpo para o seu coagulando impregnadas em poças viscosas ao nosso redor.


Me pergunto se foi eu mesma quem te escolheu ou se fomos nós, sós no degredo, que escolhemos um ao outro...

Aysha Santiago
28/05/10 às 6:56 a.m.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

CONTO SELECIONADO COMO CANDIDATO À PUBLICAÇÃO NA REVISTA FICÇÕES!









FELICIDADE EM UMA CAMA KING SIZE ,
FOI SELECIONADO COMO CANDIDATO À PUBLICAÇÃO NA 20ª EDIÇÃO DA REVISTA FICÇÕES !!
PRECISO QUE LEIAM E  COMENTEM, À VONTADE !!



"Há alguns trechos de crueldade muito bem compostos. Vaidade feminina pura, esse animal perigoso e conservador do antigo. Gostei especialmente do desespero maltrapilho e trágico à Bukowski quando da quase-catártica vomitada e das reminescências da sinceridade virginal há muito rota... Crise de consciência forte esse soluço de quase-arrependimento. Mostra quão ao meio termo a condição humana está: tocar com a língua o mel e o fel dos indizíveis mistérios escondidos na cavernosa vagina da Vida -- só nossa distópica heroína sabe o gosto, o cheiro e a luminosidade da miscelânea de sangue de quem se ama! -- e ter de sentir o peso da inexorabilidade do que é irretratável, como que uma fisgada num membro amputado, sentida na fantasmagórica alma ferida pelo punhal afiadíssimo da culpa. Nossa heroína está, como a Humanidade, sempre no meio, na mediocridade: ora poderia ser considerada uma visionária legisladora de valores, ora uma reles vagabunda desajustada com um narcisismo esquizofrênico incorrigível."

João Paulo.



terça-feira, 13 de abril de 2010

EU NÃO SEI SE É BOM MAS É TEU.

http://www.youtube.com/watch?v=PQVCDCBDYuI
(cena interpretada por Paulo José e Leila Diniz)

" -Maria Alice, escrevi um poema para você.
Eu não sei se é bom mas é teu, de modo que vou dizer:

Se não fosse meu o segredo de teu corpo, eu gritaria pra todo mundo. 
De teus cabelos, agrestes,
sob os quais faz noite escura,
de tua boca, 
que é um poço, 
com um berço no fundo, onde nasci. 
De teus dedos, longos como gritos. 
Teu corpo, para compreendê-lo é preciso muita convivência... 
Teu sexo é um rio, onde navego meu barco aos ventos de sete paixões.
Longo caminho, poucos viajantes o percorreram impunemente.
E tua alma. Tua alma é teu  corpo.
(Domingos Oliveira para Leila Diniz : Todas as mulheres do mundo,1966)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

FELICIDADE EM UMA CAMA KING SIZE


Eu posso dizer que matei todos os meus amigos para ver que gosto tem amizade putrefada.Talvez a náusea do cheiro me cause algum efeito redentor mais revelador que nossas pseudopresenças.Eu posso dizer, que logo depois de matar meus amigos, eu matei você porque me emputeci solenemente com nossa transa mal feita sem língua e sem gozo.Me senti aliviada em saber que você foi responsabilizado pela falta de talento para amante, ou menos,que nem trepar direito sabia mesmo,para que viver nesse mundo de “meldels” se nem uma chupadinha você sabia dar?
Depois,peguei meu ônibus e fui em pé para ceder lugar a um velhinho que podia ser você se soubesse trepar, fiquei ouvindo Eu te amo do Chico com uma entonação mais dramática que de costume, como se algum dia na vida eu tivesse te dado meus olhos para você tomar conta, imagina a merda que ia sair? Ou que meu sangue tivesse se perdido junto com o navio exilado no Haiti.Se ainda tivéssemos fodido como dois pagãos,poderia relevar a tua falta de jeito para escafandrista.
Chorei a morte dos meus amigos como a fisgada de um membro amputado, vomitei a madrugada toda o vazio dessas perdas e, afirmei com a convicção de uma virgem, que te amava e que amizades são pérolas no mar infindo.
Logo depois, vi a marca branca da aliança que um dia você me deu prometendo felicidade em uma cama king size .Melhor seria se tivéssemos comprado um kama sutra ilustrado e  nos matriculado numa aula de sexo tântrico para casais enquanto ainda havia tempo.Agora eu te matei e aprisionei na minha marca branca da aliança para sempre, como castigo.
Nossa, imagina  que tipo de vilã pós-moderna de um romance ainda não escrito eu me tornarei ? Best-seller na certa. Meus gritos no escuro por uma tira do New York Times.Minha masturbação mental e vaginal por um elogio do Harold Bloom.Minha solidão por uma cama king size na beira da praia...
Tá vendo porque morreram?


1/04/10 às 3:34 a.m.

domingo, 28 de março de 2010

A CRIATURA







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O tapete de lodo nicotizado estendia-se por todo ambiente. As fumaças embotavam os rostos e os odores que exalavam dos corpos incitavam excessos. Excessos, ela era dos excessos. Defendia a filosofia  segundo a qual pecar por excesso tornava o pecado mais sincero e talvez até a redimisse. Mas não, não queria que a redimissem do seu próprio grito, pois a cada pecado que cometia suplicava para ser ouvida ansiando para que algum dia alguém a revelasse, pois ela mesma tinha medo se olhar no espelho, por isso se pintava daquele jeito, como se estivesse se mascarando de si mesma.
Parecia que nessas noites de luxúria se transmutava e  tinha-se a impressão de que todos os seus atos eram minimamente arquitetados com os objetivos mais sórdidos em mente. A beleza exótica roçava cada linha do seu rosto de gueixa e do seu corpo deliciosamente brasileiro. Crua, não se poupava, sabia ser provocante despertando instintos que normalmente mascaramos para que a vida em sociedade seja possível, ao menos aparentemente. A língua ferina não perdoava ninguém. Ela possuía a tortuosa intimidade com  as palavras, e essa sina lhe tornava extremamente cáustica.Impossível não ser notada.
Poderia-se facilmente encontrar esse demônio tropical perdido em alguma página da mitologia ocidental, devorando seres impiedosamente e depois cuspindo suas carcaças sem vida. Ela, a síntese de requinte primitivo, uma das criaturas que a modernidade inventou.
O tapete de lodo nicotizado era seu palco. Todas aquelas criaturas febris, sedentas, hedonistas natas(ou fruto de mais algum experimento da modernidade)alimentavam sua fúria e ao mesmo tempo que sentia nojo por todas elas, o prazer de ser desejada devorava-a.
Devorava os seres no intuito de comer suas mentes, na esperança de juntar fragmentos que a ajudassem a entender a existência e assim se livrar da eterna angústia que a acometia. Era uma dor tremenda a do não ser. Latejante.
       Dos vícios humanos ela sabia quase todos, aqueles que escondemos até de nós mesmos com medo do buraco da fechadura. Mas não tinha medo, farejava todos os nãos das suas cobaias até lhes arrancar as tripas.E depois desse processo a dor que sentia era lancinante,chegava a pensar que sem cura.Por que ela sentia tanto pela sordidez da sua própria humanidade, não sabia explicar e aí que sentia mais dor.
        Durante o dia, os espelhos da sua casa eram retirados. Não suportava se ver sob a luz do sol, tinha vergonha do dia, era uma criatura forjada pela luz da lua e pela morbidez de um quarto escuro da suíte de algum hotel de luxo.
         Pensariam os hipócritas que essa é uma criação sórdida da minha mente de escritor arruinado,não se enganem , numa noite de vazio insondável, encontrei-a num café escolhendo uns livros, com tamanha paixão que desejei que o meu  estivesse perdido por ali para que ela o encontrasse.Desde então, frequento o mesmo lugar todos os dias na esperança de encontrá-la novamente, quem sabe não tomamos um café?

 Aysha Santiago 28/03/10 às 19:53

sexta-feira, 26 de março de 2010

CLÓ

CLÓ

Lima Barreto

http://www.spectroeditora.com.br/fonjic/barreto/sonhos/03.php


 Devia ser já a terceira pessoa que lhe sentava à mesa.
  Não lhe era agradável aquela sociedade com desconhecidos; mas que fazer naquela segunda-feira de Carnaval, quando as confeitarias têm todas as mesas ocupadas e as cerimônias dos outros dias desfazem-se, dissolvem-se?
 Se as duas primeiras pessoas eram desajeitados sujeitos sem atrativos, o terceiro conviva resgatava todo o desgosto causado pelos outros. Uma mulher formosa e bem tratada é sempre bom ter-se à vista, embora sendo desconhecida, ou, talvez, por isso mesmo...
Estava ali o velho Maximiliano esquecido, só moendo cismas, bebendo cerveja, obediente ao seu velho hábito. Se fosse um dia comum, estaria cercado de amigos; mas, os homens populares, como ele, nunca o são nas festas populares. São populares a seu jeito, para os freqüentadores das ruas célebres, cafés e confeitarias, nos dias comuns; mas nunca para a multidão que desce dos arrabaldes, dos subúrbios, das províncias vizinhas, abafa aqueles e como que os afugenta. Contudo não se sentia deslocado...
A quinta garrafa já se esvaziara e a sala continuava a encher-se e a esvaziar-se, a esvaziar-se e a encher-se. Lá fora, o falsete dos mascarados em trote, as longas cantilenas dos cordões, os risos e as músicas lascivas enchiam a rua de sons e ruídos desencontrados e, dela, vinha à sala uma satisfação de viver, um frêmito de vida e de luxúria que convidava o velho professor a ficar durante mais tempo bebendo, afastando o momento de entrar em casa.
 E esse frêmito de vida e luxúria que faz estremecer a cidade nos três dias de sua festa clássica, naquele momento, diminuía-lhe muito as grandes mágoas de sempre e, sobretudo, aquela teimosia e pequenina de hoje. Ela o pusera assim macambúzio e isolado, embora mergulhado no turbilhão de riso, de alegria, de rumor, de embriaguez e luxúria dos outros, em segunda-feira gorda. O "jacaré" não dera e muito menos a centena. Esse capricho da sorte tirava-lhe a esperança de um conto e pouco - doce esperança que se esvaía amargosamente naquele crepúsculo de galhofa e prazer.
 E que trabalho não tivera ele, doutor Maximiliano, para fazê-la brotar no seu peito, logo nas primeiras horas do dia! Que chusmas de interpretações, de palpites, de exames cabalísticos! Ele bem parecia um áugure romano que vem dizer ao cônsul se deve ou não oferecer batalha...
  Logo que ela lhe assomou aos olhos, como não lhe pareceu certo aquele navegar precavido dentro do nevoento mar do Mistério, marcando rumo para aquele ponto - o "jacaré" - onde encontraria sossego, abrigo, durante alguns dias!
  E agora, passado o nevoeiro, onde estava?... Estava ainda em mar alto, já sem provisões quase, e com débeis energias para levar o barco a salvamento... Como havia de comprar bisnagas, confetes, serpentinas, alugar automóvel? E - o que era mais grave - como havia de pagar o vestido de que a filha andava precisada, para se mostrar sábado próximo, na rua do Ouvidor, em toda a plenitude de sua beleza, feita (e ele não sabia como) da rija camadura de Itália e de uma forte e exótica exalação sexual... Como havia de dar-lhe o vestido?
  Com aquele seu olhar calmo em que não havia mais nem espanto, nem reprovação, nem esperança, o velho professor olhou ainda a sala tão cheia, por aquelas horas, tão povoada e animada de mocidade, de talento e de beleza. Ele viu alguns poetas conhecidos, quis chamá-los, mas, pensando melhor, resolveu continuar só.
  O velho doutor Maximiliano não cansou de observar, um por um, aqueles homens e aquelas mulheres, homens e mulheres cheios de vícios e aleijões morais; e ficou um instante a pensar se a nossa vida total, geral, seria possível sem os vícios que a estimulavam, embora a degradem também.
  Por esse tempo, então, notou ele a curiosidade e a inveja com que um grupo, de modestas meninas dos arrabaldes, examinava a toilette e os ademanes das mundanas presentes.
  Na sua mesa, atraindo-lhes os olhares, lá estava aquela formosa e famosa Eponina, a mais linda mulher pública da cidade, produto combinado das imigrações italiana e espanhola, extraordinariamente estúpida, mas com um olhar de abismo, cheio de atrações, de promessas e de volúpia.
  E o velho lente olhava tudo aquilo pausadamente, com a sua indulgência de infeliz, quando lhe veio o pensar na casa, naquele seu lar, onde o luxo era uma agrura, uma dor, amaciada pela música, pelo canto, pelo riso e pelo álcool.
  Pensou, então, em sua filha, Clôdia - a Cló, em família - em cujo temperamento e feitio de espírito havia estofo de uma grande hetaira. Lembrou-se com casta admiração de sua carne veludosa e palpitante, do seu amor às danças lúbricas, do seu culto á toilette e ao perfume, do seu fraco senso moral, do seu gosto pelos licores fortes; e, de repente e por instantes, ele a viu coroada de hera, cobrindo mal a sua magnifica nudez, com uma pele mosqueada, o ramo de tirso erguido, dançando, religiosamente bêbeda, cheia de fúria sagrada de hacante: "Evoé! Baco!"
  E essa visão antiga lhe passou pelos olhos, quando a Eponina ergueu-se da mesa, tilintando as pulseiras e berloques caros, chamando muito a atenção de Mme. Rego da Silva que, em companhia do marido e da sua extremosa amiga Dulce, amante de ambos, no dizer da cidade, tomavam sorvetes, numa mesa ao longe.
  O doutor Maximiliano, ao ver aquelas jóias e aquele vestido, voltou a lembrar-se de que o "jacaré" não dera; e refletiu, talvez com profundeza, mas certo com muita amargura, sobre a má organização da nossa sociedade. Mas não foi adiante e procurou decifrar o problema da sua multiplicação em Cló, tão maravilhosa e tão rara. Como é que ele tinha posto no mundo um exemplar de mulher assaz vicioso e delicado como era a filha? De que misteriosa célula sua saíra aquela floração exuberante de fêmea humana? Vinha dele ou da mulher? De ambos?
 Ou de sua mulher só, daquela sua carne apaixonada e sedenta que trepidava quando lhe recebia as lições de piano, na casa dos pais?
 Não pôde, porém, resolver o caso. Aproximava-se o doutor André, com o seu rosto de ídolo peruano, duro, sem mobilidade alguma na fisionomia, acobreada, onde o ouro do aro do pince-nez reluzia fortemente e iluminava a barba cerdosa.
 Era um homem forte, de largos ombros, musculoso, tórax saliente, saltando; e, se bem tivesse as pernas arqueadas, era assim mesmo um belo exemplar da raça humana.
 Lamentava-se que ele fosse um bacharel vulgar e um deputado obscuro. A sua falta de agilidade intelectual, de maleabilidade, de ductílidade, a sua fraca capacidade de abstração e débil poder de associar idéias não impediam fosse ele deputado e bacharel. Ele seria rei, estaria no seu quadro natural, não na câmara, mas remando em ubás ou igaras nos nossos grandes rios ou distendendo aqueles fortes arcos de iri que despejam frechas ervadas com curaro.
 Era o seu último amigo, entretanto o mais constante comensal de sua mesa luculesca.
 Deputado, como já ficou dito, e rico, representava, com muita galhardia e liberalidade, uma feitoria mansa do Norte, nas salas burguesas; e, apesar de casado, a filha do antigo professor, a lasciva Cló, esperava casar-se com ele, pela religião do Sol, um novo culto recentemente fundado por um agrimensor ilustrado e sem emprego.
 O velho Maximiliano nada de definitivo pensava sobre tais projetos; não os aprovava, nem os reprovava. Limitava-se a pequenas reprimendas sem convicção, para que o casamento não fosse efetuado sem a bênção do sacerdote do Sol ou de outro qualquer.
  E se isto fazia, era para não precipitar as cousas; ele gostava dos desdobramentos naturais e encadeados, das passagens suaves, das inflexões doces, e detestava os saltos bruscos de um estado para o outro.
- Então, doutor, ainda por aqui? fez o rico parlamentar sentando-se.
- É verdade, respondeu-lhe o velho. Estou fazendo o meu sacrifício, rezando a minha missa... É a quinta... Que toma, doutor?
- Um "madeira"... Que tal o Carnaval?
- Como sempre.
E, depois, voltando-se para o caixeiro:
- Outra cerveja e um "madeira", aqui, para o doutor. Olha: leva a garrafa.
O caixeiro afastou-se, levando a garrafa vazia e o doutor André perguntou:
- Dona Isabel não veio?
- Não. Minha mulher não gosta das segundas-feiras de Carnaval. Acha-as desenxabidas... Ficaram, ela e a Cló, em casa a se prepararem para o baile á fantasia na casa dos Silvas... Quer ir?
- O senhor vai?
- Não, meu caro senhor; do Carnaval, eu só gosto dessa barulhada da rua, dessa música selvagem e sincopada de recos-recos, de pandeiros, de bombos, desse estridulo de fanhosos instrumentos de metais... Até do bombo gosto, mais nada! Essa barulhada faz-me bem à alma. Não irei... Agora, se o doutor quer ir... Cló vai de preta mina.
- Deve-lhe ficar muito bem... Não posso ir; entretanto, irei á sua casa para ver a sua senhora e a sua filha fantasiadas. O senhor devia também ir...
- Fantasiado?
- Que tinha?
- Ora, doutor! eu ando sempre com a máscara no rosto.
E sorriu leve com amargura; o deputado pareceu não compreender e observou:
- Mas, a sua fisionomia não é tão decrépita assim...
Maximiliano ia objetar qualquer cousa quando o caixeiro chegou com as bebidas, ao tempo em que Mme. Rego da Silva e o marido levantaram-se com a pequena Dulce, amante de ambos, no dizer da cidade em peso.
O paramentar olhou-os bastante com o seu seguro ar de quem tudo pode. Ouviu que ao lado diziam - à passagem dos três: ménage à trois. A sua simplicidade provinciana não compreendeu a maldade e logo dirigiu-se ao velho professor:
-Jantam em casa?
-Jantamos; e o doutor não quer jantar conosco?
- Obrigado. Não me é possível ir hoje... Tenho um compromisso sério... Mas fique certo que, antes de saírem, lá irei tomar um uisquezinho... Se me permite?
- Oh! doutor! O senhor é nosso melhor amigo. Não imagina como todos lá falam no senhor. Isabel levanta-se a pensar no doutor André; Cló, essa, nem se fala! Até o Caçula quando o vê, não late; faz-lhe festas, não é?
- Como isso me cumula de...
- Ainda há dias, Isabel me disse: Maximiliano, eu nunca bebi um Chambertin como esse que o doutor André nos mandou... O meu filho, o Fred, sabe até um dos seus discursos de cor; e, de tanto repeti-lo, creio que sei de memória vários trechos dele.
A face rígida do ídolo, com grande esforço, abriu-se um pouco; e ele disse, ao jeito de quem quer o contrário:
- Não vá agora recitá-lo.
- Certo que não. Seria inconveniente; mas não estou impedido de dizer, aqui, que o senhor tem muita imaginação, belas imagens e uma forma magnífica.
- Sou principiante ainda, por isso não me fica mal aceitar o elogio e agradecer a animação.
Fez uma pausa, tomou um pouco de vinho e continuou em tom conveniente:
- O senhor sabe perfeitamente que espécie de força me prende aos seus... Um sentimento acima de mim, uma solicitação, alguma cousa a mais que os senhores puseram na minha vida...
- Pois então, interrompeu cheio de comoção o doutor Maximiliano: à nossa!
Ergueu o copo e ambos tocaram os seus, reatando o parlamentar a conversa desta maneira:
- Deu aula hoje?
- Não. Desci para espairecer e "cavar". É dura esta vida... "cavar"! Como é triste dizer-se isto! Mas que se há de fazer? Ganha-se uma miséria... Um professor com oitocentos mil-réis o que é? Tem-se a família, representação... uma miséria! Ainda agora, com tantas dificuldades, é que Cló deu em tomar banhos de leite...
- Que idéia! Onde aprendeu isso?
- Sei lá! Ela diz que tem não sei que propriedades, certas virtudes... O diabo é que tenho de pagar uma conta estupenda no leiteiro... São banhos de ouro, é que são! Jogo nos bichos... Hoje tinha tanta fé no "jacaré"...
O caixeiro passava e ele recomendou:
- Baldomero, outra cerveja. O doutor não toma mais um "madeira"?
- Vá lá. Ganhou, doutor?
- Qual! E não imagina que falta me fez!
- Se quer?...
- Por quem é, meu caro; deixe-se disso! Então há de ser assim todo o dia?
- Que tem!... Ora!... Nada de cerimônias; é como se recebesse de um filho...
- Nada disso... Nada disso...
Fingindo que não entendia a recusa, o doutor André foi retirando da carteira uma bela nota, cujo valor nas algibeiras do doutor Maximiliano fez-lhe esquecer em muito a sua desdita no "jacaré".
O deputado ainda esteve um pouco; em breve, porém, se despediu, reiterando a promessa de que iria até à casa do professor, para ver as duas senhoras fantasiadas.
O doutor Maximiliano bebeu ainda uma cerveja e, acabada que foi a cerveja, saiu vagarosamente um tanto trôpego.
A noite já tinha caído de há muito. Era já noite fechada. Os cordões e os bandos carnavalescos continuavam a passar, rufando, batendo, gritando desesperadamente. Homens e mulheres de todas as cores - os alicerces do pais - vestidos de meia, canitares e enduapes de penas multicores, fingindo índios, dançavam na frente ao som de uma zabumbada africana, tangida com fúria em instrumentos selvagens, roufenhos, uns, estridentes, outros. As danças tinham luxuriosos requebros de quadris, uns caprichosos trocar de pernas, umas quedas imprevistas.
Aqueles fantasiados tinham guardado na memória muscular velhos gestos dos avoengos, mas não mais sabiam coordená-los nem a explicação deles. Eram restos de danças guerreiras ou religiosas dos selvagens de onde a maioria deles provinha, que o tempo e outras influências tinham transformado em palhaçadas carnavalescas...
Certamente, durante os séculos de escravidão, nas cidades, os seus antepassados só se podiam lembrar daquelas cerimônias de suas aringas ou tabas, pelo carnaval. A tradição passou aos filhos, aos netos, e estes estavam ali a observá-la com as inevitáveis deturpações.
Ele, o doutor Maximiliano, apaixonado amador de música, antigo professor de piano, para poder viver e formar-se, deteve-se um pouco, para ouvir aquelas bizarras e bárbaras cantorias, pensando na pobreza de invenção melódica daquela gente. A frase, mal desenhada, era curta, logo cortada, interrompida, sacudida pelos rufos, pelo ranger, pelos guinchos de instrumentos selvagens e ingênuos. Um instante, ele pensou em continuar uma daquelas cantigas, em completá-la; e a ária veio-lhe inteira, ao ouvido, provocando o antigo professor de música a fazer parar o 'Chuveiro de Ouro", a fim de ensinar-lhes, aos cantores, o que a imaginação lhe havia trazido à cabeça naquele momento.
Arrependeu-se que tivesse fito gostar daquela barulhada; porém, o amador de música vencia o homem desgostoso. Ele queria que aquela gente entoasse um hino, uma cantiga, um canto com qualquer nome, mas que tivesse regra e beleza. Mas - logo imaginou - para quê? Corresponderia a música mais ou menos artística aos pensamentos íntimos deles? Seria mesmo a expansão dos seus sonhos, fantasias e dores?
E, devagar, se foi indo pela rua em fora, cobrindo de simpatia toda a puerilidade aparente daqueles esgares e berros, que bem sentia profundos e próprios daquelas criaturas grosseiras e de raças tão várias, mas que encontravam naquele vozerio bárbaro e ensurdecedor meio de fazer porejar os seus sofrimentos de raça e de indivíduo e exprimir também as suas ânsias de felicidade.
Encaminhou-se direto para a casa. Estava fechada; mas havia luzes na sala principal, onde tocavam e dançavam.
Atravessou o pequeno jardim, ouvindo o piano. Era sua mulher quem tocava; ele o adivinhava pelo seu velouté, pela maneira de ferir as notas, muito docemente, sem deixar quase perceber a impulsão que os dedos levavam. Como ela tocava aquele tango! Que paixão punha naquela música inferior!
Lembrou-se então dos "cordões", dos "ranchos", das suas cantilenas ingênuas e bárbaras, daquele ritmo especial a elas que também perturbava sua mulher e abrasava sua filha. Por que caminho lhes tinha chegado ao sangue e à carne aquele gosto, aquele pendor por tais músicas? Como havia correlação entre elas e as almas daquelas duas mulheres?
Não sabia ao certo; mas viu em toda a sociedade complicados movimentos de trocas e influências - trocas de idéias e sentimentos, de influências e paixões, de gostos e inclinações.
Quando entrou, o piano cessava e a filha descansava, no sofá, a fadiga da dança lúbrica que estivera ensaiando com o irmão. O velho ainda ouviu indulgentemente o filho dizer:
- É assim que se dança nos Democráticos.
Cló, logo que o viu, correu a abraçá-lo e, abraçada ao pai, perguntou:
- André não vem?
-Virá.
Mas, logo, em tom severo, acrescentou:
- Que tem você com André?
- Nada, papai; mas ele é tão bom...
Quis Maximiliano ser severo; quis apossar-se da sua respeitável autoridade de pai de família; quis exercer o velho sacerdócio de sacrificador aos deuses penates; mas era céptico demais, duvidava, não acreditava mais nem no seu sacerdócio nem no fundamento da sua autoridade. Ralhou, entretanto, frouxamente:
- Você precisa ter mais compostura, Cló. Veja que o doutor André é casado e isto não fica bem.
A isto, todos entraram em explicações. O respeitável professor foi vencido e convencido de que a afeição da filha pelo deputado era a cousa mais inocente e natural deste mundo. Foram jantar. A refeição foi tomada rapidamente. Fred, contudo, pôde dar algumas informações sobre os préstitos camavalescos do dia seguinte. Os Fenianos perderiam na certa. Os Democráticos tinham gasto mais de sessenta contos e iriam pôr na rua uma cousa nunca vista. O carro do estandarte, que era um templo japonês, havia de fazer um "bruto sucesso”. Demais, as mulheres eram as mais lindas, as mais bonitas... Estariam a Alice, a Charlotte, a Lolita, a Cármen...
- Ainda toma muito cloral? perguntou Cló.
- Ainda, retrucou o irmão; e emendou: vai ser uma lindeza, um triunfo, à noite, com luz elétrica, nas ruas largas...
E Cló, por instantes, mordeu os lábios, suspendeu um pouco o corpo e viu-se também, no alto de um daqueles carros, iluminada pelos fogos-de-bengala, recebida com palmas, pelos meninos, pelos rapazes, pelas moças, pelas burguesas e burgueses da cidade. Era o seu triunfo a meta de sua vida; era a proliferação imponderável de sua beleza em sonhos, em anseios, em idéias, em violentos desejos naquelas almas pequenas, sujeitas ao império da convenção, da regra e da moral. Tomou a cerveja, todo o copo de um hausto, limpou a espuma dos lábios e o seu ligeiro buço surgiu lindo sobre os breves lábios vermelhos. Em seguida, perguntou ao irmão:
- E essas mulheres ganham?
- Qual! Você não vê que é uma honra? respondeu-lhe o irmão.
E o jantar acabou sério e familiar, embora a cerveja e o vinho não tivessem faltado aos devotos de cada uma das duas bebidas.
Logo que a refeição acabou, talvez uns vinte minutos após, o doutor André se fazia anunciar. Desculpou-se com as senhoras; não pudera vir jantar, questões políticas, uma conferência... Pedia licença para oferecer aquelas pequenas lembranças de Carnaval. Deu uma pequena caixa a dona Isabel e uma maior à Cló. As jóias saíram dos escrínios e faiscaram orgulhosamente para todos os presentes deslumbrados. Para a mãe, um anel; para a filha, um bracelete.
- Oh, doutor! fez dona Isabel. O senhor está a sacrificar-se e nós não podemos consentir nisto...
- Qual, dona Isabel! São falsas, nada valem... Sabia que dona Clódia ia de "preta mina" e lembrei-me trazer-lhe este enfeite...
Cló agradeceu sorridente a lembrança e a suave boca quis fixar demoradamente o longo sorriso de alegria e agradecimento. E voltaram a tocar. Dona Isabel pôs-se ao piano e, como tocasse depois da sobremesa, hora da melancolia e das discussões transcendentes, como já foi observado, executou alguma cousa triste.
Chegava a ocasião de se prepararem para o baile à fantasia que os Silvas davam. As senhoras retiraram-se e só ficaram, na sala, os homens, bebendo uísque. André, impaciente e desatento; o velho lente, indiferente e compassivo, contando histórias brejeiras, com vagar e cuidado; o filho, sempre a procurar caminho para exibir o seu saber em cousas carnavalescas. A conversa ia caindo, quando o velho disse para o deputado:
- Já ouviu a Bamboula, de Gottschalk, doutor?
- Não... Não conheço.
- Vou tocá-la.
Sentou-se ao piano, abriu o álbum onde estava a peça e começou a executar aqueles compassos de uma música negra de Nova Orleans, que o famoso pianista tinha filtrado e civilizado.
A filha entrou, linda, fresca, veludosa, de pano da Costa ao ombro, trunfa, com o colo inteiramente nu, muito cheio e marmóreo, separado do pescoço modelado, por um colar de falsas turquesas. Os braceletes e as miçangas tilintavam no peito e nos braços, a bem dizer totalmente despidos; e os bicos de crivo da camisa de linho rendavam as raízes dos seios duros que mal suportavam a alvíssima prisão onde estavam retidos.
Ainda pôde requebrar, aos últimos compassos da Bamboula, sobre as chinelas que ocupavam a metade dos pés; e toda risonha sentou-se por fim, esperando que aquele Salomão de pince-nez de ouro lhe dissesse ao ouvido:
"Os teus lábios são como uma fita de escarlate; e o teu falar é doce. Assim como é o vermelho da romã partida, assim é o nácar das tuas faces; sem falar no que está escondido dentro".
O doutor Maximiliano deixou o tamborete do piano e o deputado, bem perto de Clódia, se não falava como o rei Salomão à rainha de Sabá dilatava as narinas para sorver toda a exalação acre daquela moça, que mais capitosa se fazia dentro daquele vestuário de escrava desprezada.
A sala encheu-se de outros convidados e a sessão de música veio a cair na canção e na modinha. Fred cantou e Cló, instada pelo doutor André, cantou também. O automóvel não tinha chegado; ela tinha tempo...
Dona Isabel acompanhou; e a moça, pondo tudo o que havia de sedução na sua voz, nos seus olhos pequenos e castanhos, cantou a "Canção da Preta Mina":
Pimenta de cheiro, jiló, quibombô;
Eu vendo barato, mi compra ioiô!
Ao acabar, era com prazer especial, cheia de dengues nos olhos e na voz, com um longo gozo intimo que ela, sacudindo as ancas e pondo as mãos dobradas pelas costas na cintura, curvava-se para o doutor André e dizia vagamente:
Mi compra ioiô!
E repetia com mais volúpia, ainda uma vez:
Mi compra ioiô!

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Há as horas de consumição produtiva e as horas nas quais é preciso sentar e ouvir a história.Obedientemente.
 Nessas, a inquietude nata dessa que vos fala está sendo empregada para  caçar histórias, diálogos, impressões, dissertações, teses, potocas,enfim, tudo que desperte os sintomas.Como a greve deflagrada legitimamente pela  ilegalidade de um sistema tido por estado democrático de direitos, não auxilia nesse processo, eu vou acumulando potocas desconexas dentro de mim,um monte de asneiras do tipo, nadar nadar e morrer na praia ou fiquei com as calças na mão (nem isso).Com o perdão do bordão chulo, a pipa do vovô não tá subindo mais, vou na casa grande pedir pra ioiô um pouco de lucidez.

Ioiô, traz minha lucidez de volta?


anota-se nesse conto a semelhança com a prosa de Aluísio em O Cortiço.
anotado.

Livro 2:
Memórias de um Sargento de Milícias.




  Aysha San 05:52 26/03/10

segunda-feira, 15 de março de 2010

TRANSVIADA

Juventude Transviada

Lava roupa todo dia, que agonia
Na quebrada da soleira, que chovia
Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada
Uma mulher não deve vacilar
Eu entendo a juventude transviada
E o auxílio luxuoso de um pandeiro
Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada
Uma mulher não deve vacilar
Cada cara representa uma mentira
Nascimento, vida e morte, quem diria
Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada
Uma mulher não deve vacilar
Hoje pode transformar, e o que diria a juventude
Um dia você vai chorar, vejo clara as fantasias
Luiz Melodia
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  Pulsam em mim, no mínimo dois corações, um pro samba outro pra bossa.
Sem contar os desvios.
 Ah dos desvios, abertos bem no meio da traquéia qual pulmão de fumante agonizante ou da  agonia da lavadeira na quebrada da soleira.Deles eu poderia escrever um diário numa página virtual, todo mundo faz isso.Penso que só não chegaria a ser convidada pra Flip.Bem que poderiam escrever um livro de auto ajuda para os próprios escritores, ou aspirantes a.Você que escreve nunca se perguntou como eles chegaram lá?
   Tô precisando de falta de fôlego e como.Mas sinto como o palhaço no fim da festa na qual ele foi pago pra  gargalhar ou o último cajuzinho dessa mesma festa.Sento no canto, pego meu cajuzinho e espero  uma criança me perguntar: Qual é seu verdadeiro nome tio?
  E eles(os corações e os desvios?) tão pulsando aqui agoniados, não tem metáfora não, isso  é real.
  Além de achar que sou transversal, tô com sono e com um pouco do saco cheio.amanhã me explico melhor, pensei até em colocar um certo ritmo sonoro hoje mas acho que não é época de festejar. A juventude é transviada e eu sou transversal alguma semelhança ou mera coincidência?
Bah, tô com dor de estomago também.
Cara, acho que é taquicardia mesmo em dois lugares diferentes.

Aysha Santiago
16/03/010  às 02:46 a.m.